top of page

BLOG BILINGUE

O Imperador e o Espírito na Medicina Chinesa - Parte I


No primeiro ano de estudo de Medicina Tradicional Chinesa, poderemos ter a sorte de ouvir que o Coração é o Imperador do nosso corpo, no entanto ao começar a prática clínica, aparentemente, a poderosa influência do imperador dissolve-se, voltando a ser a mencionada poucas vezes.

Posteriormente, será frequente ver que a função do coração reduzir-se-á a desordens no sono, na consciência, na memória, na concentração ou em palpitações, úlceras e algumas desordens urinárias… o tratamento, reduzir-se-á a puncturar alguns pontos do canal Shaoyin e Jueyin da mão, ou a prescrição de alguns medicamentos para tratar os seus males...

No entanto, uma compreensão mais profunda do coração pode mudar profundamente a nossa visão da prática da Medicina Chinesa.

Mas, como podemos compreender a importância do coração na prática clínica de Medicina Chinesa?

Como podemos trazer o conceito do Imperador e do espírito de volta à prática clínica?

Existem muitas formas de responder a estas perguntas, mas primeiro analisemos algumas passagens importantes da literatura clássica de Medicina Chinesa:

O capítulo 8 (1) da obra "As Perguntas de Seda do Cânone Interno do Imperador Amarelo" (Huang Di Nei Jing Su Wen) refere:

"O coração é o oficial da soberania e do governo.

Por conseguinte, emite a luminosidade do espírito"

"心者君主之官也神明出焉"

O comentador do texto, o célebre Wang Bing (2) da dinastia Tang, acrescenta o seguinte comentário:

"[O coração] encarrega-se de organizar as coisas,

servindo como o oficial da soberania e governo.

A sua pureza e quietude abrigam o inteligência (ou o sobrenatural),

por isto se diz que emite a luminosidade do espírito"

"任治於物故為君主之官清靜棲靈故曰神明出焉"

O capítulo 71 do texto “O Cânone do Centro do Espírito” (Ling Shu Jing) menciona:

"O coração é o grande governador dos cinco armazéns e dos seis palácios.

[O coração] alberga a essência e o espírito"

“心者五藏六府之大主也精神之所捨也”

O capítulo situa o coração no topo da hierarquia fisiológica do nosso corpo, indicando que estamos perante um dos aspetos mais importantes da vida humana.

Tal como o capítulo 9 (3) das "Perguntas de Seda do Cânone Interno do Imperador Amarelo" reafirmam, o espírito está enraizado no coração.

Qi Bo diz: o coração é a raiz da vida e a mudança do espírito.

O seu florescimento está na face,

a sua abundância está no sangue e nos vasos,

sendo o Tai Yang no centro do Yang que se comunica com o qì do verão

“歧伯曰心者生之本神之變也其華在面其充在血脈為陽中之太陽通於夏氣”

Isto é fácil de se compreender sob a nossa perspetiva ocidental direta e prática... se a função cardíaca falhar, a vida conclui.

No entanto a visão chinesa é diferente, acrescentando ao anterior, outro aspeto importantíssimo: "a luminosidade do espírito" (shen ming).

Para podermos avançar e compreender as perguntas iniciais, teremos de compreender melhor o conceito de espírito, o que nos levará a termos de responder algumas outras perguntas:

  • O que é o espírito na Medicina Chinesa Clássica? De que formas se expressa o espírito em termos concretos?

  • Porque é um dos 3 fatores mais importante na Medicina Chinesa?

  • O espírito adoece? É possível influencia-lo?

  • Como aplicamos o conceito de espírito no tratamento de Medicina Chinesa Clássica? Como podemos tratar usando o espírito?

Para responder a primeira pergunta, o “Cânone Interno do Imperador Amarelo” pode ser um ponto de partida com o qual estamos mais familiarizados.

O capítulo 66 das “Perguntas de Seda” (Su Wen) refere:

Os 5 ciclos e yin e yang são o Caminho do céu e da terra,

as guias e leis das 10000 coisas,

o pai e a mãe da mudança e a transformação,

a base e o começo da vida e da morte,

o palácio da luminosidade do espírito.

É possível não compreender [estes importantes conceitos]?

A causa do nascimento das coisas chama-se transformação

e o extremo das coisas chama-se mudança.

O que não pode ser medido com yin e yang chama-se espírito.

A aplicação do espírito carecendo de direções chama-se o sagrado.

Aquilo que serve à aplicação da mudança e a transformação, no céu serve ao Xuan,

no humano serve ao Caminho e na terra serve à transformação.

A transformação gera os 5 sabores,

o Caminho gera o sagrado e o Xuan gera o espírito

“夫五運陰陽者天地之道也萬物之綱紀變化之父母生殺之本始神明之府也可不通乎故物生謂之化物極謂之變陰陽不測謂之神神用無方謂之聖夫變化之為用也在天為玄在人為道在地為化化生五味道生智玄生神”

Cada enunciado do texto anterior, merece um artigo próprio :)

O texto, expressa que o espírito é gerado no Xuan (mistério ligado ao céu, mas também ao yin e a água noutros contextos). O espírito não pode ser medido segundo yin e yang e quando carente de direções é o sagrado. Ou seja, o espírito neste contexto está para além de yin e yang e dos 5 movimentos.

Na filosofia chinesa o que precede a yin e yáng e, por conseguinte aos 5 movimentos, é o estado de "Carência de Extremos" (Wú Jí), ou seja, o estado antes da divisão do qì, que levará até ao conceito dos "Extremos Supremos" (Tài Jí).

Para simplificar as coisas, o conceito de "espírito" pode ser percebido de duas maneiras: considerar o espírito como um conjunto de substâncias ou como o conjunto de funções subtis que incluem a consciência. Mas veremos, que pode ser muito mais do que isto.

O “Cânone Interno do Imperador Amarelo” entrega-nos algumas informações da geração do espírito sobe a perspectiva materialista imperante na política do período de escrita do texto.

O capítulo 8 das “O Cânone do Centro do Espírito” (Ling Shu Jing) diz:

A chegada da vida chama-se essência

e o confronto mútuo de ambas as essências chama-se espírito

“生之來謂之精兩精相搏謂之神”

E o capítulo 32 do mesmo texto refere:

O espírito é o qì e a essência da água e dos cereais

“神者水穀之精氣也”

Esta perspetiva do espírito, quando comparada com literatura da mesma época, mas de outras vertentes de conhecimento, apresenta uma visão do espírito muito substancial e concreta, como o resultado das substâncias pré e pós natais que formam e mantêm o corpo humano.

O texto revela uma grande proximidade entre o espírito e o sangue. Mas ainda não revela os aspetos mais associados à mente.

O capítulo 18 do “O Cânone do Centro do Espírito” (Ling Shu Jing) diz:

O sangue é o qì do espírito

“血者神氣也”

E o capítulo 26 das “Perguntas de Seda do Cânone Interno do Imperador Amarelo” refere:

O sangue e o qì são o espírito humano

“血氣者人之神”

Até agora, o significado do espírito asumiu uma direção associada diretamente às substâncias do corpo, mas a direção está a ponto de mudar...

Continuará...

Archive
Search By Tags
Follow Us
  • IEETC Facebook
  • IEETC YouTube
  • IEETC Google+
bottom of page